Texto publicado originalmente em Plantamidia

O que é, afinal, carne cultivada?

 

Carne cultivada é carne. Carne como a carne que você compra no supermercado e no açougue. A única diferença é que, em vez de matar um animal e retirar sua carne, esta é produzida diretamente de suas células. As células são cultivadas na mesma estrutura que os tecidos do animal, replicando os aspectos sensoriais e nutritivos da carne tradicional.

 

Isso significa que não há diferença, de sabor, textura e experiência, entre comer uma carne cultivada e uma carne de origem animal.

 

Segundo estudo recente da McKinsey:

“Um dia os consumidores não pagarão mais pela carne Wagyu e pelo atum azul [carnes muito caras] do que por nuggets de frango e hambúrgueres. Significa que uma pequena ilha poderia produzir carne bovina ao mesmo custo e eficiência de um continente com planícies e pastagens amplas.”

 

A primeira carne cultivada foi apresentada ao público em 2013, pelo cientista holandês Mark Post, ao custo de mais de R$ 1.500.000,00 por um hambúrguer (cotação aproximada). Custo que já caiu mais de 99%. Em entrevista ao The Guardian, na época, o cientista disse:

 “Vacas são muito ineficientes, elas requerem 100g de proteína vegetal para produzir apenas 15g de proteína comestível. Portanto, precisamos alimentar muito as vacas para que possamos nos alimentar. Perdemos muito alimento dessa forma”. [Com carne cultivada] podemos torná-la mais eficiente porque temos todas as variáveis sob controle. Não precisamos matar a vaca e ela não [produz] nenhum metano”.

 

Desde então, mais de uma centena de empresas foram abertas para criar tipos diferentes de carne cultivada e algumas centenas de milhões de dólares foram investidos para desenvolver a indústria.

 

Importante citar que as tecnologias necessárias para o cultivo de carne em laboratório – cultura celular, fermentação, biologia de células-tronco, engenharia de tecidos e química – vêm sendo desenvolvidas há décadas por empresas e centros de pesquisa em todo o mundo.

 

Como a carne cultivada é feita?

 

Existem diferentes processos para se produzir carne cultivada, mas, de maneira geral, o processo de produção ocorre da seguinte maneira:

 

1) Coleta de células-tronco: A primeira etapa é coletar células-tronco de um animal. Isso geralmente é feito por meio de uma pequena biópsia, um procedimento relativamente simples e pouco invasivo. As células-tronco são células que ainda não foram diferenciadas e podem se transformar em qualquer tipo de célula do corpo.

 

Células-tronco também podem ser obtidas por meio da coleta de uma amostra de células de órgãos específicos para criar outros produtos. Por exemplo, células de glândulas mamárias podem ser utilizadas para a produção de leite, e células de fígado para foie gras.

 

2) Diferenciação celular: A diferenciação celular é o processo pelo qual as células-tronco ainda indiferenciadas são estimuladas a se transformar em um tipo específico de célula, como tecido esquelético, conectivo e gordura, que farão parte da carne. Este processo pode ser feito por exposição a estímulos mecânicos e químicos, muitas vezes com o apoio de suportes (scaffolds) para auxiliar a diferenciação.

 

3) Cultivo de tecidos: As células diferenciadas são cultivadas em um ambiente controlado, chamado de biorreator. Nesses biorreatores as células permanecem em um soro onde são alimentadas de diversos nutrientes como vitaminas, aminoácidos, glicose e suplementada com proteínas e outras substâncias, permitindo que se multipliquem e se desenvolvam em tecidos diferentes.

 

4) Processamento final: Depois de formados os diferentes tecidos, eles são processados para formar o produto final, que é a carne cultivada. Por fim, são realizados os cortes, preparações finais e embalagem. O processo total pode levar entre 2 e 8 semanas, dependendo do tipo de carne.

 

Que tipos de carne podem ser cultivadas?

 

Todos os tipos de carne.

 

Desde bife, hambúrguer e nuggets até carne de animais como canguru, ostras, alpaca, etc. Em teoria, até carne humana pode ser cultivada! Isto porque basta uma cultura de células para reproduzir os sabores e a experiência sensorial de uma carne específica.

 

No futuro podemos ter carnes inclusive para reproduzir animais que já entraram em extinção. Com a tecnologia estabelecida, não haverá muitos empecilhos para criar os mais variados, e estranhos, tipos de carne.

 

Uma utilidade que já está sendo desenvolvida em conjunto com essa tecnologia é o cultivo de sangue e órgãos humanos que poderiam ser utilizados em transplantes e transfusões. Isso seria uma gigantesca revolução na medicina moderna.

 

Quem está fazendo carne cultivada?

 

Existem atualmente diversas iniciativas de desenvolvimento de carnes cultivadas dos mais variados tipos, como:

  • Hambúrguer de carne bovina e de frango

  • Cortes bovinos, suínos e de frango

  • Peixes

  • Nuggets de frango

  • Gordura animal

Diversas empresas, startups e centros de pesquisa estão desenvolvendo esses tipos em diferentes lugares. Algumas das empresas mais conhecidas são Upside Foods, Good Meat, Mosa Meat, SuperMeat, Aleph Farms, Ambi Real Food, Cellva, BioTech Foods e Avant Meats.

 

Além dessas empresas, há centros de pesquisa em todo o mundo trabalhando no desenvolvimento de carne celular, como o Sfoodlab, ligado à UFPR.

 

Você pode checar uma base de dados completa dessas empresas aqui.

 

Quais os benefícios da carne cultivada?

 

Existem diversos benefícios da carne cultivada em relação à carne de origem animal, sendo os principais:

Segundo o site da Mosa Meat, uma das primeiras empresas a produzir carne cultivada no mundo, com uma amostra de apenas 0,5g coletada de uma vaca sob anestesia, foi possível cultivar 80 mil hambúrgueres. Sem sofrimento animal algum e muito mais eficiente que a produção industrial atual.

 

Onde eu posso comprar carne cultivada?

 

No momento, só há um lugar no mundo autorizado a comercializar carne cultivada: Cingapura. Especificamente no restaurante 1880.

 

No entanto, diversos países estão caminhando para autorizar e regular a venda desses produtos. O frango empanado da Upside Foods já foi autorizado pelo FDA (órgão de regulamentação sanitária) e espera alguns detalhes para poder ser comercializado nos EUA.

 

No Brasil, espera-se que a comercialização inicie em 2024 e, o mercado nacional tem grande potencial de se tornar um dos principais do mundo.

 

Outras fontes utilizadas no texto

 

https://www.theguardian.com/science/2013/aug/05/first-hamburger-lab-grown-meat-press-conference

 

https://www.mckinsey.com/industries/agriculture/our-insights/cultivated-meat-out-of-the-lab-into-the-frying-pan

 

https://www.gavi.org/vaccineswork/lab-grown-blood-used-transfusion-first-time-here-are-three-other-ways-making-organs

 

https://gfi.org/resource/alternative-protein-company-database/